bolo de rolo |
Boas mesmo eram as comidas que a gente fazia ou inventava.
Oriunda de Palmares, a família tinha lá seus quitutes consagrados nos livros de receita de Vovó Anna e Dindinha, que passavam pelas mãos das filhas e netas e até hoje são conservadas e, principalmente, apreciadas pelas novas gerações.
Oriunda de Palmares, a família tinha lá seus quitutes consagrados nos livros de receita de Vovó Anna e Dindinha, que passavam pelas mãos das filhas e netas e até hoje são conservadas e, principalmente, apreciadas pelas novas gerações.
Vovó Anna e Dindinha eram peritas em doçaria: ninguém ganhava de Dindinha nos doces em caldas e compotas, devidamente acondicionados em compoteiras de cristal e oferecidas, com carinho, às visitas e principalmente aos netos.
Lembro-me, de água na boca, dos doces que eu gostava mais... todos: banana cortadinha em rodelas muito finas, com uma calda em que sempre havia uns cravos da índia para dar aquele sabor especial; batata doce, numa pasta deliciosa e macia; goiaba em calda, inesquecível; compota de doce de jaca, então, nem me fale...
Vovó Anna |
Vovó Anna cuidava mais dos bolos. E como! A gente ficava pedindo bis, quando ela nos servia seu famoso bolo de rolo. Propositalmente, não por economia, ela, na sua santa paciência, cortava umas fatias de bolo tão fininhas que a gente dizia logo:
-Vovó Anna, meu bolo tá transparente.. dá pra ver a senhora do outro lado !
-Vovó Anna, meu bolo tá transparente.. dá pra ver a senhora do outro lado !
A velhinha ria gostoso e nos repetia a dose. Agora, bom mesmo eram seus pastéis de nata. Ah, meu Deus, que delícia ! derretiam na boca e eram lindos de se ver: douradinhos na cobertura e com uma massa fina e macia, no ponto mesmo.
Também, pudera ! Ambas criadas em engenho de cana, conheciam os segredos dos doces pernambucanos e portugueses como ninguém. Vovó Anna, então, tinha um livro de receitas todo manuscrito, numa letra caprichada num português que às vezes eu nem entendia, tão cheio de enes, tês e erres dobrados, mais umas medidas estranhas, como libras de qualquer coisa, pitada disso ou daquilo, pontos enigmáticos, enfim, uma cabala gastronômica que, somente pelo seu mistério, nos atraía.
Dindinha (Maria Felipa) |
Quando ela e Dedé de juntavam na cozinha, a meninada corria atrás. Primeiro, para saber que gostosura iria sair daquela reunião; segundo para lamber os alguidares em que sempre restava um pouco daquela massa doce e untuosa que iria ser transformada, pouco tempo de forno depois, num bolo maravilhoso, num pão-de-ló do outro mundo, num pastel de nata dos anjos celestiais.
Mas, havia uma certa ordem na hora da esperada "lambida do alguidar", e ninguém ficava chupando dedo... Vovó Anna e Dedé distribuiam, com justiça, a vasilha de barro pela fila de "lambões”, formada num canto da cozinha.
Com isso tudo, era natural que a gente procurasse imitar essas fadas dos sabores e quem levava mais jeito eram as meninas, claro... eu, de mestre cuca, até hoje, só aprendi a fazer duas comidas tipicamente "monteiro da cruz": arremate de feijão e mingau de cachorro. E continuo viciado nesses dois pratos.
O arremate era simplesmente caldo de feijão já pronto, em que a gente acrescentava um pouquinho, quase nada, de farinha de mandioca e uma porção de coentro picadinho, mais um tiquinho de manteiga. Ficava uma delícia ! O mingau de cachorro, ou pirão de ovo, também não tem mistério, tanto que até eu aprendi a fazer: alho, tomate, cebola, coentro e cebolinha picados, um pouquinho de molho de pimenta, água e sal, uma colher e meia de farinha de mandioca e, depois de mexida essa sopinha rala, um ovo quebrado em cima, só para ficar mal-cozido mesmo. Depois, mais uma colherzinha de manteiga, de preferência a de garrafa, e só.
Com as meninas ficavam os "cozinhados", feitos nos batizados de boneca, numa trempe armada no fundo do quintal, tudo feito em suas panelinhas de barro, que Mãezinha comprava na feira de Casa Amarela.
Havia, ainda, os lanches de última hora: churrasco de pão com manteiga, com um pão espetado no garfo, que era torrado diretamente na boca do fogão; sanduíche de pão com bolacha cream-cracker (esse foi invenção de Paizinho); pão quentinho (logo que chegava da padaria) com manteiga e açúcar; e outras maluquices mais que a gente inventava, somente pra enrolar a barriga antes do almoço ou do jantar e voltar depressa às nossas eternas brincadeiras.
(do meu livro de crônicas "Caçador de Lagartixas", Recife, 2008, ed. Livro Rápido)
saudade da minha vó! As tapiocas molhadas no leite de coco, as sopinhas dos sábados à noite (que chef nenhum consegue fazer igual) e um pudim de laranja com calda de ameixa servida em tigelas de porcelana com desenhos de frutas no fundo. (Tia Mary fez pra mim há alguns anos) Vamos organizar uma festa pra comemorar o fato de ser MC e pedir pra ela fazer de novo? Vivo comendo pudim procurando algo parecido mas não acho.
ResponderExcluirFred, vamos publicar os cadernos de receitas delas e dar de presente pra cada Monteiro da Cruz pra que essas lembranças não desapareçam?
Maria Nair
Grande idéia, Nairzinha ! Aliás, Edla minha mulher tem alguns originais, escritos por Vovó Anna mesmo, que recebeu de presente. E eu vou ver se posto por aqui um trecho do filme que fiz logo depois da passagem de minha mãe, em que aparecem 3 gerações fazendo pastéis de nata: Vovó Anna, Ma~ezinha e Edla. Boas lembranças!
ResponderExcluirPastéis de nata! que coisa boa!
ResponderExcluirEstimado Fred uma delícia de resenha. Imagino que maravilhas essas de família.
ResponderExcluirUm grande abraço
Mario Jorge
Já sei pq luto tanto com a balança(a culpa ñ é minha)gente ,não dá para esquecer tanta coisa gostosa, essa é a verdadeira culinária afetiva,na qual fui bastante beneficiada pelas minhas doces vozinhas. Vou deixar aqui a minha homenagem a madrinha Adeilda,seu bolo de rolo era de comer ajoelhada e rezando para o próximo. Que tempo bom. Beijinos...Leninha
ResponderExcluirFaltou relatar o alfenins inesquecíveis feitos por Aninha e o merengue de Maria Helena, apesar do pé todo queimado pelo mel que ao invés de colocar no prato derramei foi nela mesmo, tadinha...
ResponderExcluirTudo era delicioso ainda mais com o tempero da alegria com que era m preparados, qualquer acontecimento virava uma festa!
Dulce
Se a madrinha Adeilda é a mesma minha Tia Adeilda é preciso lembrar também os bolos de casamento. Ela, Angela de tio Lula e mais alguém fizeram o do meu casamento (mas acho que foi mais pelas Bodas de Prata do meu pai do que pelo meu casamento) Estava uma delicia. Ainda se faz bolo de casamento com aquela camada toda de "confeito de bolo"? Essa é outra delícia que vivo procurando e não acho... Nas bodas de ouro de meus pais procuramos muito mas nada parecido foi achado.
ResponderExcluirE os filhozes pra comer no carnaval! Minha mãe ainda faz e ultimamente não tem derramado o mel quente no pé. Amém!
ResponderExcluirEita Nairzinha, lembrou bem demais de tia Adeilda, tão gentil e tão meiga.. Uma doceira de primeira também.. Aliás, Maria Helena fala dela aí em cima. Era afilhada deles. E a tradição dos filhoses do carnaval.. Ave Maria como era bom..aquele mel bem ralinho que Dindinha e vovó Anna tb faziam.. ô tempo bom!
ResponderExcluirQuerem a receita de filhoses? Minha mãe tem umas três...
ResponderExcluirMaria Nair
Mande que eu publico, prima !! e aqui você não só manda, como manda mesmo !
ResponderExcluirMeu Deus !
ResponderExcluirSe esse Bolo de Rolo já está me dando água na boca,as receitas que virão vão requerer mais de uma hora de esteira todos os dias. Quero a receita do pudim de laranja. Pra mim o melhor doce é PUDIM, deixo qualquer prato de camarão para comer um pedacinho de pudim.
Desculpa, assim não dá pra fazer dieta.
Abaixo a dieta já !!!
rsssssssssssss
abçs
Myrinha Vasconcellos
Minha gente, pelo amor de Deus! Precisamos de uma "floresta genealógica" urgentemente. Quase todo dia eu entro no Tio Google a procura de nossas origens...vamos escrever a história de nossa família!!!:D
ResponderExcluirTati (curiosíssima)
Minha parte eu tou fazendo, né Tati?
ResponderExcluirquero fazer um cardápio para as bordas de prata da minha mãe como eu faço quero uma dica
ResponderExcluirOi Ruthynha ! Não leve a sério nossas brincadeiras "gastronômicas" por aqui..As peritas em comida na família era mesmo as avós da gente. Esse post surgiu de uma brincadeira que eu fiz no meu livro de crônicas relembrando os tempos de criança em que tentavamos cozinhar nossos lanches e almoços improvisados. Mas -como vc pôde ler- as avozinhas eram peritas mesmo em coisas gostosas. Abração e obrigado pela visita. Volte sempre!
ResponderExcluirOi Fred
ExcluirResponder quase um ano depois. Mas eu acho ótima as receitas simples e práticas. Esta terça 19 de março, 2013, o meu neto tava agitado perto da hora de ir para o colegio. Pegei o carro e fui no
comercio e trouxe um lindo bolo de cenoura. E o riso dele, vibrando
e devorando um generoso pedaço de bolo me gratificou. E gastara 20,00...E se soubesse fazer? Com uma boa receita quem sabe...Abss TEREZA
Caro primo, inúmeras vezes ouvi meu pai Emilio falar saudoso do engenho Barra do Dia. Está sendo um deleite encontrar aqui um pouco da história de nossos familiares. Minha infância foi marcada pelos pastéis de nata de tia Carmelita e seu inesquecível bolo de noiva.
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