- Ied, desenha aqui uma capa bem bonita para o meu trabalho de História do Brasil. É sobre o Duque de Caxias (ou Tiradentes, ou Dom Pedro I)...
- Eu não agüento mais desenhar essas capas pra vocês ! Será possível que vocês não aprendem nunca a desenhar uma capa de trabalho? Ora pitomba !!
-Mas, Ied, é só desta vez... eu juro que não peço mais... desenha, vai...
- Tá certo, tá certo.. vai ser a última capa de trabalho que eu desenho na minha vida ! Me dá isso aí, me dá....
Era mais ou menos esse o diálogo entre eu e minhas irmãs, toda vez que as professoras do Sagrada Família ou das Damas pediam um trabalho de História, ou de Ciências, ou de Religião.
E haja inspiração pra desenhar rostos de heróis, de santos, células e plantas que eu nunca vi.
Mas, o agradecimento vinha depois, quando elas, muito caprichosas nos seus estudos, mas pouco habilidosas nos desenhos das capas de trabalhos, me mostravam, suas notas:
- Tá vendo, Ied? a gente tirou um 9 (ou um 9,5, ou um 10) ! Seu desenho ajudou, e muito!
E eu, resmungando:
- Não foi por causa do desenho, não... você tá é me enrolando.. desenho não vale pra nota !..."
Mas sempre ganhava o abraço e o carinho das manas, e por dentro ficava até meio orgulhoso dos meus desenhos.
No mês seguinte, lá vinham elas de novo:
-Ied, desenha aqui...etc..
E eu, brabo que só uma capota choca:
-Mas, de novo? Vige Maria, não agüento mais essa ladainha ! Me dá isso aí, me dá.. mas não dá pra fazer mais hoje não..só amanhã..
Tudo brabeza falsa.. de noite mesmo, quando chegava da escola, pegava os lápis e lá vem Dom Pedro, Tiradentes, Nossa Senhora, raiz de planta, ameba e tanta coisa mais.
De manhãzinha, antes de pegar no batente, passava na sala de jantar e deixava a capa do trabalho bem à vista, em cima do buffet de sucupira, enorme e bem entalhado.
E nessa cumplicidade eu, desenhista por acaso, e as manas queridas íamos levando a vida pra frente.
(do livro de crônicas "Caçador de Lagartixas, Ed. Livro Rápido, 2008, Recife)