A quantas vai a inocência de uma criança...
Meu pai sempre gostou muito de música.
Então, na nossa casa em Olinda, parte da sala de estar era ocupada por uma vitrola RCA (A voz do dono), cuja marca nunca me saiu da cabeça: um cachorrinho sentado ouvindo um "gramophone."
Tempos depois viria a saber que o nome vitrola, ou victrola, se reportava justamente a essa fábrica de discos e produtos correlatos e do seu nome, RCA Victor, partiu a marca victrola, ou vitrola, em bom português brasileiro.
Paizinho ouvia muito os cantores Carlos Gardel, Gregorio Barrios e Bienvenido Granda.
Mais: Orlando Silva, Francisco Alves, Augusto Calheiros e Ataulfo Alves. Havia também, uma dança da moda que veio a tornar-se nosso símbolo de nordestinidade: o baião, recém-lançado por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
Mas Paizinho gostava, ainda, de ouvir música erudita e foi na nossa discoteca que me encantei com os primeiros trechos de belas peças clássicas, como a Marcha Triunfal da Aída, de Verdi, peças de Beethoven, Chopin, Strauss, Bach e Tchaikovsky.
Pois bem: eu estava sempre por perto da vitrola e aprendi a mexer nela bem precocemente, mais ou menos como meus filhos, que aprenderam desde cedinho a usar os vídeo-games e o computador.
Gostava muito de um disco de Luiz Gonzaga que continha a música Baião ("eu vou mostrar a vocês, como se dança o baião e quem quiser aprender é favor prestar atenção..").
Numa dessas vezes que fui botá-lo para tocar, o disco escorregou e espatifou-se no chão da sala.
Esses discos de 78 rpm eram pesados e muito frágeis, não resistindo, em absoluto, a uma queda de certa altura.
Fiquei desesperado.. Mãezinha e Dedé, sempre na lida doméstica, talvez nem tenham percebido o desastre e eu, na minha angústia para consertar a situação, saí pela porta da frente da casa e ganhei a praia.
Com as duas bandas do disco nas mãos, chorava feito um bezerro desmamado, parando cada banhista que se atravessava em meu caminho: - Meu senhor, cole esse disco do meu pai que eu quebrei agora...
Devo ter parado uns cinco ou seis, até que um senhor muito educado, que estava fazendo a sua caminhada matinal (naquele tempo ainda não se chamava "cooper”..) me falou com muita paciência: - Oh, meu filho, volte pra casa e não fique aperriado. Depois seu pai compra outro igual. Disco quando quebra não pode ser mais colado não. Vá pra casa, vá...
Desconsolado e sem jeito, voltei e contei pra minha mãe o sucedido...
Ainda bem que minha fuga foi breve e não causou mais uma contrariedade afora a de, mais tarde, levar um "carão" bem humorado de Paizinho e prometer que não ia mais me aventurar nas gavetas do armário da discoteca, nem mexer nas agulhas da vitrola.
(Crônica extraída do meu livro "Caçador de Lagartixas", Ed.LivroRápido/Elógica, Recife, 2008)
(Crônica extraída do meu livro "Caçador de Lagartixas", Ed.LivroRápido/Elógica, Recife, 2008)