sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

CRÔNICA PARA UM ANO QUE SE VAI




O ano agoniza.  Cai, desfalecido, céu abaixo, amortecendo a queda num colchão de nuvens. Da minha janela eu observo tudo. Saudade dos momentos bons, também dos momentos tristes.


Duas faces da mesma moeda, duas texturas diversas da mesma massa que nos modela: sentimentos.  Sentimentos, o motor dos humanos. Animais, dizem alguns, também os têm. Mas, penso eu, não tão exacerbados quanto os humanos (os seres e os Sentimentos).

(E, apesar de tudo, o ano agoniza.)

Vai embora, aos pouquinhos, sem pensar na gente. Cumpre sua rotina:  amanhecer, anoitecer, amanhecer, anoitecer, amanhecer.. 
O ano resume-se em cada dia que lhe cumpre existir. Amanhece a primeiro de janeiro, anoitece a trinta e um de dezembro. 

(E, apesar de tudo, o ano agoniza.  E agonizamos nós, solidários.)





Cada dia nos acrescendo bons e maus momentos. Não maus de todo. Tristes, apenas.  Tristes momentos de que temos até saudade. Cada dia, sua agonia. Cada dia, um fio de cabelo branco, um segundo que se foi.  Desperdiçado, algum.   aproveitado, outro.


Todos passando, todos desfalecendo, todos agonizando.

Negro, o céu agora.  Em repouso mortal.  
Para ressuscitar em janeiro.  Sob o barulho dos fogos, sob o clarão do Ano Novo.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

VENDE-SE JESUS




"Vende-se Jesus."
Sintomático.  Misturam-se as coisas, no Natal de hoje.
Vende-se o Natal, vendem-se os sonhos, vende-se a alma.
Qualquer coisa tem seu preço, incluindo a virgindade leiloada.
Incluindo a honestidade e os princípios morais.
Quem dá mais por um deputado ?  quanto vale um Senador ?
Compra-se e vende-se de tudo neste mundo corrupto.
Vende-se a alma.  Não faltam Luciferes compradores.
A preço de banana...ou de uma pedra de crack.  
Vendem-se ilusões a granel.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

MEMÓRIAS DO F STUDIO 13 - ERALDO LEITE E MADEIRAS DO ROSARINHO

Há exatos 10 anos, o meu caro amigo Eraldo Alves Leite, Sociólogo, concluía seu Curso de Ciências Sociais, na Universidade Federal de Pernambuco.  Apaixonado pelo Carnaval recifense, Eraldo foi um dos grandes colaboradores do Bloco Flor da Vitória-Régia que lhe deve a maior parte do acervo filmográfico, bem como excelentes fotografias dos desfiles que ele acompanhava com devoção.

Estudioso da Cultura Popular, Eraldo esmerou-se numa pesquisa de campo à qual juntou farta documentação, entrevistas, vídeos e fotografias, tudo isso resultando num precioso documento enfeixado no seu trabalho sobre o mais conhecido e amado Bloco Carnavalesco Misto do Recife, "Madeiras do Rosarinho".

Como fio condutor do seu trabalho, Eraldo dissecou com precisão cirúrgica os elementos formadores desse "mythos" do Carnaval recifense e pernambucano, o frevo de bloco "Madeira que o Cupim não rói", composição de Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa).

A música tem origem no Carnaval de 1963, em decorrência do resultado do Concurso Carnavalesco daquele ano, em que o BCM Madeiras do Rosarinho perdeu o campeonato para o seu arquirival  "Batutas de São José".
Depois de concluído o trabalho, Eraldo, com suas muitas horas de gravação de vídeo, procurou-me no F STUDIO, para fazermos a montagem do documentário que agora, com sua autorização, reproduzo aqui.


Comemoramos esses 10 anos com muito orgulho, porquanto sabemos registrada para a posteridade esse belo trabalho de pesquisa e essas imagens com toda a sua pureza documental que a gente simples do bairro de Rosarinho, no Recife, construiu com muito amor pelas cores do seu Bloco que há oitenta e seis anos incendeia corações pelo Recife afora.

sábado, 15 de dezembro de 2012

ACAMPAMENTO FRUSTRADO

Trailer Turiscar Briliant
Quando estudava em Baturité, no Ceará, participei ativamente de caminhadas longas pela Serra, no grupo de escotismo improvisado na Escola, e tomei gosto pelas atividades ligadas à Natureza, coisa que até hoje me fascina e que pautou toda a minha vida, nisso incluído haver viajado por todo o Brasil, com meus filhos, praticamente sem ocupar um quarto de hotel, somente acampando, quer em campings organizados, quer em áreas de praias e montanhas, quer usando um trailer ou barracas simples de lona e nylon.
Conheci assim os principais pontos turísticos e as atrações naturais dos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal.
Aos demais, minhas viagens foram feitas por avião, dadas as distâncias enormes que nos separam deles.
Esse amor pela terra brasileira está bem solidificado em toda a minha família e cada vez me sinto mais apaixonado por esta pátria tão cheia de contrastes e ao mesmo tempo tão farta de beleza, de sol, de música e alegria.
Nas férias de 57, quando voltei do Ceará, após um semestre afastado de casa, resolvi acampar no fundo do quintal, embaixo de uma frondosa mangueira.
Passei uma corda do seu tronco para um cano grosso de ferro das pilastras que sustentavam o telhado lateral da casa, deixando-a bem esticada e por sobre ela lancei um cobertor de lã axadrezado, de casal, que "tomei emprestado" do varal onde secava.
Era de tardinha, por volta das 5, o sol já querendo se recolher, e o pessoal estava todo lá pela frente, de forma que "trabalhei" muito tranquilo na execução dos meus planos para armar minha tenda.
Esses planos incluíam uma ação meio nefasta, qual seja: armado de umas seis estacas de madeira, com cerca de um palmo cada, afiadas com faca de cozinha e originárias de um cabo de vassoura quebrado, passei a enfiá-las no cobertor, fixando-o no chão de terra do quintal e furando um buraco de bom tamanho, a cada estaca que batia.
Isso posto, com a minha cabana triangular perfeitamente esticada e fixada ao chão, providenciei um piso muito confortável: uma esteira de piri-piri, de propriedade de minha madrinha Dedé que, também desconhecendo a minha expropriação, ajudava Mãezinha com os pequenos, lá na frente da casa.
E prosseguia minha "trela"... fui ao quarto e, de cima da minha "cama patente" Faixa Azul, arrastei o colchão de palha seca, revestido de um tecido rústico de algodão listrado de azul, vermelho e branco, numas tonalidades meio desbotadas, creio que pela economia de tintura na fábrica de tecidos que o distribuía.
Colchão de palha..ô tempo bom ! 
Colchão em cima da esteira, fechei as abas da barraca com duas toalhas de banho e, calado, fui pra sala jantar.
Como já estava escuro e ninguém mais achou de ir até o fundo do quintal, naquela hora, meu "acampamento" ficou lá, camuflado pelas sombras da noite.
Terminada a ceia, anunciei meu segredo: iria acampar no fundo do quintal e, solenemente, pedi a Paizinho a permissão.
Ele, não contendo o riso, a concedeu e acrescentou:
-Vá, meu filho..mas se o medo apertar de noite, pode bater na porta que eu abro a casa pra você.
Fiquei feliz pelo voto de confiança e, muito ancho, recolhi-me ao meu acampamento particular. Por via das dúvidas, levei uma lanterna de pilhas, que naquele tempo a gente chamava de "flash-light" e era de metal cromado, da marca "Eveready".
lanterna eveready das antigas 
Valentemente fiquei lendo alguma coisa à luz da lanterna, até o sono chegar, enquanto escutava os risos dos irmãos, som que aos poucos foi sendo substituído pelo chiado dos grilos e miados de gatos da vizinhança; mais tarde, apenas um ou outro latido de cachorro e - distante- o assovio agudo e tranquilizante do apito do guarda-noturno.
Não sei se cheguei a dormir... acho que cochilava quando, de repente, um piado de coruja ou bacurau me fez arrepiar todo e saí em disparada pelo quintal, batendo várias vezes na janela do quarto dos meus pais.
Paizinho, que estava acordado, esperando mesmo este momento, abriu a porta da casa e me ajudou a botar o colchão pra dentro.
Chato foi ter que aguentar as gozações do dia seguinte, acompanhadas do jogral da irmanzada:
- "Escoteiro de marca fobó, que mija na cama e diz que é suor"....
E eu, que havia até pensado numa desculpa bem conveniente para a desistência, esqueci meu imaginário "gato-do-mato quase do tamanho de uma onça", que seria meu álibi para a corrida de volta ao sossego das quatro paredes de um quarto, sorri amarelo, disfarcei e entrei no coro.

(do meu livro de crônicas "Caçador de Lagartixas")



segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

CORDEL - A TRISTE HISTÓRIA DO PINTO ZÉ



1.
Morava lá nas Queimadas
a Raimunda Buretama
mestiça trabalhadora
e que por ali fez fama
 "cevando" sua mandioca
deitando galinha choca
vivendo a vida sem drama

2.
Raimunda sempre dizia
que pra galinha chocar
e sem perder nenhum ovo
teria que acobertar
onze ovos, nada mais
pros pintos nascerem em paz
e em galinhos se tornar

3.
Certo dia, nesse afã
sentindo-se "afuleimada"
e conforme ela dizia
com "a priquita queimada"
sem querer, na conta errou,
doze ovos arrumou
no ninho atrás da latada 

4.
Ela tanto conhecia
seu ofício, que gostava
de botar nome nos ovos
que a galinha chocava..
e o ovo Zé sobrou
pois quando ela recontou
do ninho logo o afastava

5.
Mas, a galinha, sabida
uma mãe muito amorosa
empurrou o Zé pra dentro
da quenturinha gostosa
e chocou a dúzia inteira
o Zé foi, na brincadeira,
chocado pela penosa

6.
Cismada com suas contas
Raimunda foi conferir
de novo contou os doze
e de novo fez sair
o Zé de dentro do ninho
foi parar, o coitadinho
na "cesta de consumir"


7.
E quando os pintos nasceram
Raimunda fez um almoço
matou uma galinha gorda
que era só carne, sem osso
e serviu para o marido
aquele ovo escolhido
que foi frito sem sobroço

8.
Foi quando um pintinho saiu
piando com alarido
até encontrar o ovo
no prato lá do marido
Piava de fazer dó
que a Raimunda ficou só
lhe dando o maior "sentido"

9.
A Raimunda ouvindo o pinto
piando sua latomia
começou a chorar tanto
que chega dava agonia
traduziu na mesma hora
isso tudo, sem demora
o que o pinto dizia

10.
O marido da Raimunda
ficou triste como que
quando a mulher lhe falou
o que o pinto quis dizer :
" Zezinho, fala comigo!,
meu irmãozinho, meu amigo,
que saudade de você !"

11.
Esse drama de novela
aconteceu tal e qual
estou contando a vocês
e eu choro de passar mal
quando lembro que o Zé
não foi um pinto qualquer
d'uma tragédia rural

12
Essa história foi contada
a mim, desse mesmo jeito,
pelo amigo José Ramos
Cabra de muito respeito
morador de Imperatriz
E tudo o que ele diz
pode crer: é sem defeito !

Recife, 10.12.12
Fred Monteiro

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MEMÓRIAS DO FSTUDIO - 12- FRADE E FRED


Ele era baixinho, careca e meio gordinho.  Idade, por volta dos 80 anos.
Estava parado num ponto de ônibus defronte à Praça de Casa Forte.
Eu tinha acabado de sair de casa e ia fazer uma caminhada até o centro da cidade, para o estúdio.
Começou a chover e fui me abrigar na marquise do ponto de ônibus.
O Frade, vim saber depois, era apelido. Seu nome era José. Um cara muito engraçado e de fala e sorriso fáceis.
Começou uma conversa.  Contou que estava meio perdido. Tinha ido a uma consulta num posto de saúde próximo,
teve vontade de andar e vinha meio sem saber onde estava, até começar a chuva. Aí, ficou naquela parada esperando
o primeiro ônibus que fosse para o centro da cidade.
- Eu vou pro centro e pego um ônibus para o bairro de San Martin.  Na hora que chegar chego bem, porque minha velha fica até feliz quando eu estou fora de casa. Ela diz que eu perturbo muito.
Eu já achei o velhinho simpático e sorri do seu bom humor.  Era cego de um olho (hoje a gente tem que chamar deficiente visual, que saco!)
Mas estava feliz como um menino levado e começou a cantar baixinho uma marchinha.  Em certo ponto, parou.  Aí voltou com a carga toda:
- Tá ouvindo essa música?  Eu comecei a fazer.  A letra eu sei todinha, mas a música mesmo eu não sei como termino. Só tem esse pedaço.
Interessei-me na conversa.
- E o senhor é compositor?
- Nada.  E eu sei lá o que é isso ? Eu faço umas coisas e invento umas poesias. às vezes eu termino, às vezes não.
E eu:  - E por que o senhor não grava, pra não esquecer ?
- Ah, meu filho, e eu lá tenho dinheiro pra isso?
- Mas eu tenho um estúdio de gravação.  Se quiser gravar, terei o maior prazer. Gostei muito da sua marchinha.
O velhinho acendeu o olhar.
- Tá brincando comigo ? 
- Nada.. e eu sou de brincadeira.  Se quiser gravar, vamos lá no Estúdio e gravamos. Depois eu dou um acabamento e o senhor não esquece mais sua música.
- De graça?
- De graça, claro. Não sou eu que estou oferecendo o estúdio?
- Ave Maria, meu fio ! De graça até injeção na testa. Agora é que eu vou virar artista mesmo.
Chega o ônibus.  Entramos. Eu pela porte de trás, porque naquele tempo ainda não era idoso (tinha 55 anos), ele pela porta da frente, com a carteira de identidade na mão, feliz da vida.
Nos encontramos novamente no corredor.
Traçamos os planos.  Ele cantaria a parte que sabia da sua música, eu completaria o que faltava de melodia para o restante da letra e faria os arranjos.
Já no Estúdio, Frade soltou a voz e cantou.  Eu peguei o violão, compus na hora o restante da melodia, na intuição mesmo, em cima do que ele já tinha feito.  Passamos o resto da manhã fazendo as bases com a sanfona (teclado) e o ritmo (zabumba, triangulo, reco-reco e agogô).  Na hora  de cantar o Frade rejeitou a parada.  Não tinha jeito de afinar. Tentamos muitas vezes, mas cadê ritmo e afinação ?  Não deu...
- Deixa comigo, Frade, eu canto.
De tanto repetir, eu já tinha decorado melodia e letra e mandei ver.
Mas eu queria gravar a voz do novo amigo.  Afinal, o tempo todo ele falava:
- Minha velha não vai acreditar que eu agora sou artista e gravei minha música !  Eu quero ver a cara do pessoal lá da rua, quando ouvir essa música no Rádio.  O senhor conhece alguém de Rádio pra tocar minha música ?
- Conheço, Frade... Fique tranquilo. Vou levar seu disco para a Jovem Cap e para a Rádio Universitária, no programa de Ivan Ferraz. Agora você é um artista de verdade !
E inventei um diálogo que gravamos e depois mixamos, com os solos no meio e no final da faixa.  Tudo improvisado também.  Afinal, o que eu queria era ver o velhinho feliz.
E está aí o nosso trabalho. A voz dele fica meio ininteligível, no diálogo, mas parece muito com a do personagem "Coronel Ludugero" de saudosa memória.  Matutão desenrolado, o Frade ainda passou várias vezes lá pelo Estúdio.  Conversamos e rimos muito da sua aventura musical.  Levei, efetivamente, o Frade e seu disco para a Jovem Cap e o apresentei a Carminha Pereira, proprietária da emissora e animadora de diversos programas.  Ela adorou a figura.  Ivan Ferraz também.  Enfim, o Frade tocou bastante naquele São João e nos que se seguiram.  Faz tempo que não o vejo, e espero que ele esteja bem.
Como ele próprio diz, no final da música, com toda a alegria de quem está de bem com a vida, apesar de tudo :
- É, Compadre Fred. Agora vai... vai e vai bonitinho !!!