Há entre pais e filhos, quase sempre, porque exceções também existem, uma relação de amizade, cumplicidade e entendimento tão grande que chega a beirar o sobrenatural. Entre os animais essa relação, intensa no início da vida da cria, desaparece quando chega a idade de separação e formação de nova prole. Aí passam a competir e se for o caso até de lutar pela posse do território ou pelo mando do grupo. O inverso disso, acho eu, é exatamente umas das características mais marcantes no gênero humano. Entre mim e meus filhos –e agora um neto também- não sei definir bem o que há: provavelmente, devido ao longo tempo em que dividimos o mesmo teto, passamos a advinhar os pensamentos e gostos uns dos outros e também, claro, seus temores, seus sofrimentos, suas conquistas, numa simbiose muito agradável e nunca invasiva dos terrenos privados, etéreamente demarcados e completamente respeitados, ao ponto de exaustão. Até na Música, que também e sempre nos uniu, somos muito parecidos, eu e Fred. Só que ele dedicou-se mais ao solo das melodias que tocamos junto, ficando eu com a parte da harmonia. E assim temos dividido o prazer de tocar juntos, que era quase diário enquanto ele morou conosco. Agora longe, muito longe mesmo, em hemisférios opostos e separados por mais de 15 horas de vôo direto, se existisse, praticamente não tocamos mais.
E aí fica o que ficou tocado, ficam as lembranças das tardes de sábado ou domingo em que nós dividíamos o prazer da Música aqui no Recife. Ficam também as imagens que fiz em Redmond, em visitas que duraram menos do que gostaríamos. Fica o som gostoso que fazíamos no nosso “Chorando à toa”, na companhia de Enrico, com o chorinho e o frevo rolando solto nas tardes e manhãs dos domingos em Aldeia ou Casa Forte. Ainda bem que temos lembranças a dividir e compartilhar, também com os amigos. Choremos, pois... no bom sentido, claro !