sábado, 22 de janeiro de 2011

RECIFE, APESAR DE TUDO..

(crônica escrita após assalto à mão armada, sofrido em 17.11.1990)

O cenário pode não ser o mesmo daqueles filmes dos ”Intocáveis”, cheirando a uísque falsificado e fumaça de pólvora, balas assobiando pelo ar, paredes perfuradas, os tijolinhos se esboroando ao som de matraca das metralhadoras. Mas bem que poderia ser o do Recife de hoje, de agora, de ontem... Teria sido pesadelo?   Não.  Real, real demais.  O Recife hoje dói.  Tão longe o Recife da minha infância, do velho Capibaribe correndo nos fundos dos quintais de Casa Forte.  Por que está tão triste assim a minha cidade, por que assim tão violenta?   Por que assim tão distante do que era?
Tardes mornas, brisa leve nas mangueiras e pitombeiras da Torre, rua Jaguaribe, Grupo Escolar Martins Júnior, ah!  Recife, como não gostar daquele tempo?
Como não lembrar, minha cidade, que eras tão meiga, cheirando a jambo e ingá, tão frondosa de oitizeiros na rua Oliveira Lima, Colégio Nóbrega?
Inocência, pureza, brincadeiras, tempo de pião e bola-de-gude, papagaios do mês de agosto, papel de seda combinando as cores mais berrantes: roxo com amarelo, vermelho com verde, de doer na vista, taliscas de dendê, linha zero, pés descalços descendo ladeira de campina abaixo, cuidado com as pedras, menino!
Hoje, não !  Assaltos à mão armada, ouvi dizer, são dezenas por dia.  Só os documentados, ocorrências lavradas... só os grandes, nem pensar nos trombadinhas e cheira-colas, arracando relógios de plástico e cordões de ouro.
A violência salta das telas e bate na nossa cara, feito um murro pesado, doendo, quebrando os dentes, gosto de sangue na boca misturado à surpresa do momento, do segundo, dez, quinze segundos, tudo consumado...
Como em certos filmes, os cortes são rápidos: os olhos, a arma, “close” no cano da arma!  Enorme,  O som do soco no rosto.  Doendo nos ouvidos e muito mais na alma.
Lembrar, de novo.  De como era bom o Recife sem isso, sem crimes, sem sirenes.  Só o sereno das noites frias de Casa Forte.  Só as serestas, que começavam nos bancos da Praça e terminavam às quatro da madrugada quando parava, na esquina da Padaria Mimosa, o caminhão do Leite Cilpe.  Então, tomar um litro de leite gelado, antes do bom dormir do domingo.
Na segunda, começava tudo outra vez:  trabalhar no escritório da Rua da Matriz, apanhar o ônibus na calçada dos Correios... Avenida Guararapes, ao entardecer tão civilizada e cosmopolita.  As meninas tomando sorvete, indo ao cinema, o rio correndo por debaixo das pontes Velha e Duarte Coelho, os primeiros reflexos dos “reclames” de neon confundindo-se com os vermelhos do poente.  Ah, saudade !