quarta-feira, 28 de março de 2012

MORTE EM ITAMARACÁ

Certo dia, naqueles idos de 1951, sábado pela manhã, chega lá em casa um tio meu, irmão de Paizinho, que exercia cargo de Direção na Penitenciária de Itamaracá. 
Tio José, ou Zé Monteiro, como o chamávamos precisava do Land Rover, para atender uma urgência de família. 
Naquela ocasião, ele estava no Recife e a família dele, de férias, na Ilha de Itamaracá. 
Paizinho, de imediato, emprestou o jeep e eu, sempre afoito, pedi a Tio Zé Monteiro que me levasse consigo, curioso para conhecer a Ilha. 
Ele, claro, concordou.. e saímos rumo a Itamaracá. 

(foto Google)
Quando atravessamos a longa ponte sobre o canal de São Gonçalo, que divide a Ilha do continente, na cidade de Itapissuma, pegamos uma estradinha de areia margeada por coqueiros e plantações. 
A maioria era de hortas cultivadas pelos presidiários, já que aquela era uma Penitenciária Agrícola. 
A estrada era cheia de curvas, porque não tinha traçado prévio ou, se tinha, não o obedecia, ficando tudo por conta dos buracos e bancos de areia.

 Às vezes se estreitava tanto, que dava a impressão de que o jeep não conseguiria avançar sem roçar nos troncos dos coqueiros. 
Como raramente passava um carro por ali, o Land Rover seguia imponente e dócil à experiente direção do meu tio. E eu, curtia a paisagem e ouvia o cantar do vento nas folhas dos coqueiros.

Numa destas inúmeras curvas, mais adiante, a infausta surpresa: a estradinha estava tomada por uma pequena multidão de pessoas de todas as idades. 
Sitiantes e transeuntes se aglomeravam num círculo em torno de algo ou alguém estendido no chão de areia. 
Meu tio, como a pressentir a desgraça, pediu para que eu me abaixasse.
 Desobedeci e continuei alerta, olhando para a aglomeração e tentando desvendar o mistério.
 Bem próximo já do aglomerado, tio Zé Monteiro colocou a mão na minha cabeça e forçou-me a abaixar, rente ao banco do jeep, para tirar-me a possibilidade de enxergar aquilo tudo. 
Em vão... eu me desvencilhei da sua mão e encarei de frente a cena. A essa altura, parte do grupo oferecia passagem ao veículo, o que tio José agradeceu passando ao largo e desviando o olhar. 
Vila Velha de Itamaracá (foto Google)
A cena era, realmente, dantesca... uma pobre mulher havia sido atropelada, não fazia muito tempo. 

Um caminhão velho jazia abandonado poucos metros adiante, no meio dos coqueiros, em conseqüência do esforço final do seu condutor para livrar a vítima do atropelamento. 
O sangue empapava a areia branca.. 
Anos mais tarde, toda essa tragédia me vinha à mente sempre que eu ouvia, na radiola de casa, um disco de Vicente Celestino com uma canção que eu achava linda, embora trágica: Sangue e Areia.. ("Manolo quando entrou na arena, na tarde serena...") 
Foi o meu segundo contato com a morte, num curto espaço de tempo e me marcou muito. 
Mas, a partir daí e até hoje, procuro evitar essa coisa tão disseminada entre o nosso povo: olhar com uma ânsia incontrolada para a morte... de frente, como a desafiá-la. 
É que eu a considero uma espécie de mensageira soberana da Última Verdade. 
Jamais duvidei do seu poder e por isso a respeito, respeitando a Vida... a minha e a alheia.

(do livro de crônicas "Caçador de Lagartixas, Recife, 2008, Ed. Livro Rápido)

quinta-feira, 22 de março de 2012

MEMÓRIAS DO F STUDIO 2 - ORIANO DE ALMEIDA, PIANISTA

Não é todo dia que a gente tem a oportunidade de conhecer ou até conviver com um Gênio.
Eu tenho muita sorte na vida. Conheci e tive a oportunidade, em alguns casos, de conviver com alguns.
Um deles, o maior intérprete brasileiro da obra de Chopin: Oriano de Almeida.

Paraense de nascimento (1921) tornou-se natalense em virtude da mudança dos seus pais para Natal ainda bebê. Iniciou seus estudos musicais com seu tio, o Maestro Waldemar de Almeida, tendo estudado com a grande pianista Magdalena Tagliaferro.

Oriano tornou-se mundialmente conhecido por conhecer e executar com perfeição a obra de Frederic Chopin, a tal ponto de atingir o estrelato respondendo no famoso programa de TV “O Céu é o Limite”, sobre a obra do compositor, ganhando notoriedade internacional em inúmeros concertos por vários países do mundo.

Após um trágico atropelamento, nos anos 80, perdeu os movimentos do braço direito, interrompendo assim sua brilhante trajetória de virtuose do piano.

Oriano de Almeida
(cortesia do Blog do Braga)
Conheci Oriano de Almeida e com ele convivi por quase dois meses, quando, apresentado ao Mestre pela também virtuose Elyanna Caldas, então diretora do Conservatório Pernambucano de Música, fui convidado a remasterizar para o áudio digital a sua obra gravada.  Isso porque fazia  poucos meses que eu havia remasterizado uma fita gravada por Elyanna em homenagem ao centenário de nascimento do compositor paulista Aurélio Gregori.  Sobre Elyanna Caldas voltarei um dia em outro post. 

Ao todo, compilei em 4 CDs dezenas de peças que Oriano guardava gravadas em fitas cassetes bastante antigas.  As gravações originais em fita magnética foram feitas no Estúdio da Rádio MEC.   Exigente, o Mestre sempre discutia e observava o trabalho de filtragem de ruídos e chiados das fitas o timbre do instrumento, etc.  Os originais, já bastante usados, apresentavam aquele chiado de fundo característico e me consumiram dezenas de horas de trabalho no estúdio, até chegar ao resultado final que ele considerou o ideal.

Capa de um dos cds.

Oriano, então já com a saúde debilitada, em virtude de problemas cardíacos, estava hospedado num Hotel  em Casa Forte, próximo ao meu estúdio, e assim nos vimos e por muitas vezes conversamos sobre o andamento do trabalho.

Em 2004, fiquei bastante triste com a notícia da sua morte, por câncer.   Um fim melancólico da carreira artística de um dos maiores músicos brasileiros de todas as épocas. Reproduzo aqui Aquele Realejo de Pigalle, de sua autoria.

sábado, 17 de março de 2012

MEMÓRIAS DO FSTUDIO

Semana passada publiquei no meu Facebook um aviso de despedida da minha atividade de produtor musical e músico profissional. Amigos e amigas da Música ou dela simpatizantes acorreram virtualmente para comentar a nota, o que me deixou muito sensibilizado.

Na ocasião, prometi que postaria algumas matérias sobre meus 18 anos de atividade nessa área da Música e vou começar hoje a faze-lo.

Sempre que puder, trarei aqui para o Blog, memórias dos bons momentos de um trabalho prazeroso demais. Como qualquer trabalho, um estúdio de gravação também tem seus momentos difíceis, de rotina, de repetição, literalmente de muito suor para se conseguir o melhor resultado.

Começo, portanto, trazendo uma curiosidade, que hoje é comum em vários lugares, incluindo painéis de programas de TV, livrarias, lojas de disco, etc. Mas eu conto como a idéia nasceu, em primeiro lugar.


Em 1997, numa apresentação aberta ao público nos jardins do Parque da Jaqueira, a Orquestra Sinfônica de Berlim, trazida pelo Programa Cultural Concertos de Vinólia, nos ofereceu um espetáculo fantástico, único para quase 100% das pessoas que acorreram em massa ao Parque.  Sentado no gramado com minha família, apreciamos todos, nota por nota de cada peça apresentada e passamos muito tempo rememorando aquele evento maravilhoso.

Havia, pela cidade, vários cartazes anunciando o espetáculo, ocorrido no dia 24 de março de 1997.  E um ou dois dias depois, já pensando como subiria num poste da Praça de Casa Forte, enquanto por ali corria, e onde havia um desses cartazes pendurados, bem no alto, deparei-me com funcionários da Prefeitura que os recolhiam. Parei minha corrida e pedi aos funcionários que me cedessem um deles.  Eles até estranharam, já que havia muitos no carro em que estavam.  Prontamente atenderam meu pedido e eu, cartaz enrolado debaixo do braço, parei com o exercício e voltei para casa como um menino que ganhou um sorvete de presente.

É que eu já havia planejado montá-lo numa moldura e afixá-lo no meu iniciante estúdio. Fazia poucos meses que eu alugara uma sala comercial, para estabelecer uma atividade de cunho mais profissional, vez que durante um ano e meio realizava meus projetos e gravações num dos quartos do apartamento.

Dito e feito, outra ideia me ocorreu: quando os artistas da terra viessem gravar comigo, eu pediria seus autógrafos naquele cartaz.  E assim, a partir dali, dezenas e dezenas de amigos passaram a assinar meu enorme poster. De tão cheio, já numa outra sala, no centro da cidade, que comprei para dar mais facilidade de acesso à clientela, os autógrafos passaram a ser dados na própria parede do estúdio.  Uma parede inteira foi escrita com mensagens e assinaturas dos amigos e amigas.

Como não podia carregá-la, filmei e fotografei tudo, para não perder a energia de tanto carinho dispensado. Assim, mostrarei aos poucos, e por partes, esse cartaz e minha parede autografada, a partir de maio de 1997, até quando mudei-me para uma terceira sala, em 2002. Aguardem, vocês que assinaram e escreveram coisas que ficaram no meu coração e na minha memória.  Foram o que de melhor aconteceu nesses 18 anos de luta musical...Aos poucos vamos revê-las! 

sexta-feira, 16 de março de 2012

CARANGUEJOS POLARES E GOSTOSOS

Os patolões na seção de frutos do mar do Pike Place Market, em Seattle
Este mundo é pequeno demais..  e de vez em quando a gente se surpreende com certas coisas.
Por exemplo: quebrar caranguejos, deve ser uma atividade das antigas, da idade das cavernas, do tempo do ronca.

Só assim se explica você chegar num restaurante especializado em frutos do mar, lá no outro lado do mundo, perto da fronteira do Canadá, mais precisamente em Bellevue, região de Seattle e de repente pensar que entrou em alguma barraca na Praia do Futuro, em Fortaleza, ou em Porto de Galinhas, Pernambuco, ou na Lagoa do Mundaú, Alagoas, por aí.

Fui experimentar o “caranguejão” do Alaska, aquele que se transformou  até em seriado de TV (Pesca Mortal). O chamado “King Crab”,”jumbo crab” ou algo que o valha. O Restaurante foi  “The Crab Pot” e o serviço de lá justifica minha surpresa.

Fachada do The Crab Pot, Bellevue, WA

Detalhe do avental de comedor de caranguejo
A gente se acomoda na mesa e pede o prato mais solicitado: um mix de 3 ou quatro tipos de caranguejos do Alaska, incluindo as patas do gandalhão (enormes, coisa de quase meio metro de pata e patola do “garoto”). 

Até aí, tudo bem.. O garçon traz, então um avental de papel plastificado e ... um batedor com sua respectiva tábua, para quebrar os caranguejos.  Pra auxiliar quem não tem a prática dos papa-guaiamum do Nordeste brasileiro, vem também um “quebra-nozes”, que pra nós foi de uma inutilidade total.

Pra imitar nossa bagunça, e até ultrapassá-la, os bichos vêm dentro de uma bacia de aço inox de bom tamanho, cheia até em cima.  Só que a dita bacia vai servir para acondicionar os restos das patas já devidamente quebradas e prazerosamente degustadas.  Porque em cima da forração da mesa que é feita com uma longa toalha de papel, o garçon derrama, ao longo dela, toda aquela caranguejada cheirosa e pra lá de gostosa.

Família reunida 

Diogo e seu martelão de caranguejo
Aí é só partir pro abraço e lembrar-se de agradecer à turma da pescaria, que vai lá pros gelados mares polares buscar essa delícia, fechar os olhos e na medida do possível pensar que está numa praia pernambucana ou alagoana, debaixo de uma barraca forrada de palha de coqueiro, ou mesmo na beira de um manguezal à margem de um rio, no tempo dos Flinstones, com um olho no caranguejo e o outro no tigre de bengala que pode chegar a qualquer momento pra te jantar !

terça-feira, 13 de março de 2012

LAND ROVER 1951

Foto: Google Images

Meu primeiro sonho de consumo que continua a ser o mesmo até hoje: um jipe Land Rover modelo Defender, verde-oliva e creme.
Carroceria de alumínio, toda rebitada, tração nas quatro rodas e a disposição de um camelo no deserto...
Por força da profissão de vendedor-viajante, meu pai possuiu bons automóveis cuja compra era financiada pelo Laboratório Raul Leite, onde trabalhou durante muitos anos.
Em 1951, morávamos em Olinda, à beira-mar, numa casa alugada, que pouco tempo depois começou a ser coberta pelas águas verdes do mar, numa nada poética ressaca de agosto.

A beira-mar de Olinda, naquele tempo, era de uma beleza inesquecível.
Arrecifes que se fundiam com a areia branca e solta, por onde nadavam, nas marés baixas, peixes de todos os tamanhos, loucos para serem fisgados pela legião de pescadores de fim de tarde.
Em certas épocas, golfinhos, que -pernambucanamente- chamávamos ainda de bôtos, mostravam suas barbatanas dorsais e respiradouros, nadando aos pares para lá da linha dos arrecifes, alegrando nossos entardeceres olindenses.
Corria a lenda de que esses animais salvaram muitas e muitas vidas, trazendo às praias do Carmo e dos Milagres os quase-afogados banhistas que se atreviam a nadar para mais distante da costa. Eram para mim heróis-animais encantados e encantadores.

Foto: Google Images
Um dia, Paizinho chegou mais cedo para o almoço, anunciando que à tarde iria ao Cais do Porto do Recife, buscar o seu carro, que acabava de chegar de navio, vindo de Liverpool, Inglaterra.
Fiquei ansioso pela novidade e logo pedi pra que ele me levasse junto... e assim aconteceu.
Quando chegamos de volta, eu estava pra lá de orgulhoso, sentado no banco de couro verde do jipe.
A única coisa que não me agradou foi o fato de o carro ter vindo com uma meia-capota de aço creme e o restante em lona verde escura.
Por engano o carro foi assim despachado na fábrica inglesa, mas isso foi depois resolvido, pelo revendedor Renê de Pontes, com a colocação de uma capota de aço inteiriça.
Foto: Google Images
Daquele dia em diante, durante alguns anos em que o jipe ficou conosco, ele foi o modelo predileto nos meus desenhos de criança.
Sou capaz de desenhá-lo ainda hoje, se tanto me for pedido... decorei mentalmente cada detalhe dos seus traços austeros, um carro de trabalho, sem muito luxo e rebuscamento de linhas, mas de uma funcionalidade que até hoje é reconhecida por todos que gostam de carros e de viagens.

sábado, 10 de março de 2012

COITADOS DOS JUMENTOS

Notícia recente dá conta de um fato um pouco mais antigo. Nos dois casos, coitado do jumento "nosso irmão", como diria a letra da música popularizada por Luiz Gonzaga, este ano centenário. É que os orientais, agora os chineses, estão tratando de importar, do Brasil 300 mil jumentos por ano, para alimentação e fabricação de sabão.  Um animal cuja existência no Nordeste sempre esteve ligada ao trabalho e ao homem do campo, servindo-lhe de transporte, de tração para os arados e carroças vai ser, dentro de pouco tempo, a julgar pela voracidade dos números chineses, extinto de vez.  Ameaças de extinção, em outras épocas, de "charqueadas" com carne de jumento e cavalo, aqui mesmo pelo Nordeste, já houve. Então, abatido pela notícia e com uma comiseração justa pelo pobre animal, escrevi essas estrofes em décimas, para louvá-lo, como tantos já fizeram.


Uma coisa me faz contrariado
Nessa terra que não dá mais valor
Aos valores que merecem penhor
Animais deste chão nordestinado
Numa seca que deixa o chão crestado
Com barrocas de terra quente e dura
O castigo maior da mãe Natura
Não consegue parar essa alimária
O trator de um sertanejo pária
Salvação dessa pobre agricultura

Veja que um jumento na cangalha
Come pouco, não se faz de rogado
Dá as horas zurrando seu recado
Passa o dia suando e só trabalha
Ara a terra, e também carrega a tralha
Do seu dono pra onde ele quiser
Inda puxa a carroça da mulher
Pras crianças serve de montaria
Sem jamais reclamar dessa agonia
Labutando sem férias seu mister

Mas agora me chega uma notícia
Que atormenta a cabeça de um cristão
Lá pras bandas da China ou do Japão
Mais parece um caso de polícia
Ou de gente que age com malícia
Querem exportar nossos animais
Os jumentos que são tradicionais
Nesta lida diária do sertão
Vão virar bife, couro e até sabão
Só para enriquecer orientais

*****

domingo, 4 de março de 2012

BONITO, O PARAÍSO ENCONTRADO

O tempo voa.  Frase manjada demais, mas verdadeira como nunca. De setembro de 2010 para cá,  fiz outras inúmeras viagens.  Mas na hora de recordar nossos passeios mais queridos, vamos no congelador de imagens que é a fotografia e os temos de volta quantas vezes quisermos.  E certos lugares, digo melhor, praticamente todos os lugares em que já estive, são mesmo inesquecíveis.  Feito Bonito, Mato Grosso do Sul.  Cachoeiras, rios cristalinos, grutas belíssimas, Bonito é mesmo digno do nome. E nada melhor que fotografias (que valem mais que mil palavras) para admirar esse lugar maravilhoso, muito pra lá de bonito...Voltarei depois com outras fotos de paisagens, flores e bichos de lá.

de bote, no rio formoso
corredeiras

mergulho de proa

registrando até debaixo d'água - rio sucuri

corimba - rio sucuri

dourado - rio sucuri