terça-feira, 5 de julho de 2011

CAMINHÃO DE MADEIRA E BOI DE BARRO

Num tempo em que não havia vídeo-game, televisão, celular, computador e tudo o que é novidade tecnológica de hoje, em que até os meninos de 5 anos já têm seu próprio notebook e passam metade da vida navegando nos orkuts, messengers, googles e wikipedias da vida, a gente bem que se virava da melhor maneira para se divertir, e como.

Até faltaria tempo pra coisas mais importantes, se a mãe da gente não estivesse de olho no relógio, controlando e dividindo bem o tempo da gurizada, a fim de que não se atrasassem nos estudos.

Diogo, meu neto, mantendo a tradição (no caminhão de madeira,
o detalhe dos saquinhos de mantimentos)
A escola era sagrada e por nada nesse mundo se faltava a uma aula. Os horários de estudo eram prioritários e ninguém saía da mesa de estudo sem ter feito o "dever de casa".

Depois dessa maratona de aprendizado, aí sim, estávamos liberados para a brincadeira... e como brincávamos.

A maior parte do tempo eram os jogos de temporada: havia "tempo" de pião, de bola de gude, de empinar papagaio, mas tinha coisa que rolava o ano todo.   

"Barra a barra", "ferrinho", "pelada", "caubói" (os sulistas sempre sofisticando, chamavam "mocinho e bandido").  Dependendo da rua ou do bairro, esses nomes mudavam, mas não tanto.

Um autêntico "boi de barro"
No mais, menina brincava de boneca e menino só não brincava disso. Se bem que, nos famosos "batizados de boneca" a gente aparecia na hora do lanche, quando as meninas faziam uns refrescos, preparavam uns bolinhos, uns docinhos.. aí a gente se chegava e logo depois partia, dizendo que ia pro trabalho.

Se tinha uma brincadeira que eu gostava, era de fazer frete. Isso mesmo... montei minha própria empresa de transporte de quintal, no dia em que Mãezinha me trouxe, da feira de Casa Amarela, um caminhão de madeira.

Não era muito sofisticado, mas tinha começo, meio e fim, isto é: rodas, cabine e carroceria.

Vovó Anna, vendo um dia meu entusiasmo em transportar, tanto areia de quintal, como os boizinhos de barro da minha "fazenda", situada no canto do muro, nos fundos do terreno, resolveu aperfeiçoar minha transportadora. E na sua santa paciência, costurou umas três ou quatro dezenas de saquinhos de algodão cru contendo arroz, feijão e farinha... de verdade ! E ainda escreveu, em nanquim, o conteúdo de cada saquinho.   Aquilo era a glória para mim !

Quando eu carregava o caminhão me sentia um comerciante rico, distribuindo mercadoria valiosa, pra lá e pra cá. Entre o portão da frente, onde ficava meu "armazém" e a "fazenda" lá no fundo do quintal, onde pastavam meus bois de barro, havia 30 metros de distância, em linha reta.  Mas quem queria linha reta, aqui? O percurso total era duas ou três vezes maior, arrodeando a casa toda e fazendo curvas a todo instante, para dar mais emoção e justificar o valor do frete: uma notas de papel de caderno do meu banco particular, pagas a mim mesmo.  Afinal, comerciante, transportador e fazendeiro que era, senti também a necessidade de me tornar banqueiro, ora!