sexta-feira, 23 de agosto de 2013

MOENDO RIMAS

A cerca - foto Claude Bloc

A mais nova colunista do Jornal da Besta Fubana, CLAUDE BLOC, na sua coluna "Entretantos", vem surpreendendo a todos nós que lá pontificamos, colunistas ou comentaristas e, pelo que sei, ao nosso Editor Luiz Berto.


Quer pelos seus comentários, quer pela pureza da sua poesia, pelas belas fotos que nos tem trazido da sua terra natal, o Ceará, mais especialmente do Cariri.


Claude, filha de franceses, nordestina da gema, cursou Letras, profissão que foi escolhida pela facilidade e gosto que demonstrava pelo ato de escrever. Poeta desde os 15 anos, por conta das cantorias e desafios de violeiros que ouvia na fazenda, desde a mais tenra infância. Pintora, tornou-se também exímia fotógrafa e através dessas Artes expressa todo o seu amor pelo povo e pelos costumes do seu Cariri.

Num desses comentários rimados, que costumo fazer, até mesmo para exercitar essa Arte que adotei faz pouco tempo, mas pela qual me apaixonei desde sempre, escrevi uma setilha que foi de imediato respondida pela Claude. Logo em seguida, faço mais outra e a Claude responde com outras duas. A coisa foi fluindo tão bem, que demos continuidade à troca de versos por e-mail e em pouco mais de dois dias havíamos escrito dezesseis estrofes, que resolvemos transformar num folheto de cordel. E assim surgiu essa nossa primeira parceria, que com muito orgulho de minha parte trago aqui para vocês, impresso pela minha fictícia editora "Cordelaria Monteiro".


Segue abaixo o texto completo.


A capa do folheto é um trabalho do Mestre Sílvio Borges de Bezerros, de quem tenho orgulho de ser amigo.



MOENDO RIMAS
(Claude Bloc e Fred Monteiro)

 I
CB
Saudade corre no sangue
O sangue corre na veia
O grito sai na garganta
Lembrança faz sua teia
Do meu sertão eu me lembro
De janeiro até dezembro
E nada mais remedeia.


II
FM
Sou filho da capital
Por engano do destino
mas a imagem mental
que tenho desde menino
é de um viver mais rural
quem sabe, transcendental..
é tudo o que eu imagino


III
CB
De manhã logo cedinho
“Amuntada” num jumento
Eu caia na estrada
Seguindo a trilha do vento
Na cerca, melão caetano,
O vento que nem abano
Espantando o pensamento.


IV
FM
Minha rotina era outra
de manhã ia pra escola
de tarde fazer "tarefa"
estudar e jogar bola
mas juro que o pensamento
seguia também c'o vento
numa moda de viola

V
CB
Cancão avisa a chegada
Do tocador para a festa
Sanfona presa no ombro
Chapéu quebrado na testa
Acompanhando o pandeiro
Violão dá o roteiro
Zabumba faz a seresta. 

VI
FM
No mês das festas juninas
no sertão ou no engenho
a alegria era tanta
dois meses de muito empenho
pra preencher todo o dia
de prazer e correria
era esse o meu desenho

VII
CB
E quando a chuva caía
O trovão a traquejar
Meu coração nem batia
Com medo de se assombrar
E no aceiro da casa
Galinha batendo asa
Pras pena num se molhá.

VIII
FM
Tempestade no sertão
é coisa linda de ver
a terra crestada chia
que parece se tremer
no gozo farto da chuva
parecendo uma viúva
vendo o amor renascer


IX
CB
Caçote corre pro açude
Com medo de gavião
Coruja de olho grande
Urubu cor de tição
A graúna bem pretinha
E um ninho de rolinha
São crias do meu sertão

X
FM
Um açude lá no fundo
Uma cerca bem trançada
Um caminho de piçarra
Bem antiga e bem pisada
Um pé de serrote ao lado
E um verde esparramado
Cantando a chuva chegada

XI
CB
Me criei perto do engenho
Junto aos canaviais
Mais além tinha um açude
Galinha pelos quintais
Também tinha no terreiro
Porco, bode e até carneiro
Em tempos memoriais.

XII
FM
Na campina atrás da casa
garnizé e paturi,
capote, pato e marreco
se encontrava por ali
de manhã juntava tudo
pra comer milho graúdo
no piar da juriti

XIII
CB
Engenho de moer cana
Um dia de farinhada
As ramas de jitirana
Acompanhando a estrada
E a lenha no fogão
Cozinhando a emoção
Dessa saudade chegada.


XIV
FM
Chorando, a cana caiana
na moenda vai sangrando
Sangue verde, puro e doce
lá no tacho borbulhando
Enquanto o melaço apura
pra se tornar rapadura
A saudade eu vou matando

XV
CB
Garapa escorrendo escura
Pra nossa boca adoçar
E mel fervendo no tacho
O ponto o mestre é quem dá
Alfenim e rapadura
Cachaça forte e segura
Pros “caba” se esquentá

XVI
FM
Que tempo bom, que saudade!
tanta coisa hoje é passado...
o sítio agora é cidade
O sertão foi transformado
simplicidade sumiu
a pureza se esvaiu
Hoje o mundo está mudado