quarta-feira, 9 de março de 2011

CINZAS SOBRE O RECIFE E OLINDA





Em 1994 compus meu primeiro frevo-de-bloco.   Chama-se "Saudade de Olinda" e foi escolhido para participar do VI RECIFREVO, o concurso de músicas de carnaval promovido pela Prefeitura de então. Fiquei muito feliz por ter feito essa música.  Conto a vocês como ela nasceu..  Era uma quarta-feira de cinzas e chovia fino, garoava, sobre as cidades gêmeas.  Ainda ressacado daquele carnaval, que brinquei intensamente, estava na varanda do apartamento aqui em Casa Forte, olhando para Olinda, através do véu da garoa, e sentindo ainda nos ouvidos o som das orquestras de frevo, imaginando-as a tocar as marchas-regresso tão dolentes que nos impregnam a alma nessa hora de despedida da folia.  Subitamente, fui até a sala,  peguei meu violão sobre o sofá, caneta e papel e, a música fluiu toda, de repente, quase uma psicografia.  Pronta e acabada.  Satisfeito com o resultado, invadiu-me uma sensação de paz profunda e adormeci ali mesmo no sofá.  No final de semana seguinte, cantei esse frevo-de-bloco para os familiares que me incentivaram -no final desse mesmo ano de 2004- a inscreve-lo no Festival.  Fiquei com a quarta colocação na categoria, não tendo alcançado o objetivo de incluir a música no disco do Festival (só entravam as 3 primeiras).. Mas, eu gosto muito dessa música e a gravei.  Agora, estou fazendo uma releitura dela e de outro frevo de bloco meu chamado "Mascate das Lembranças", numa linguagem clássico-ligeira.  Arranjei-as numa pequena suíte para quinteto de cordas e começo ainda esse mês a gravação.  A peça vai se chamar "Serenata Pernambucana para Quinteto de Cordas, n.1".. O que significa que já tenho outras escritas e a caminho de gravação.  Oportunamente vou trazê-las para este espaço.

NO CHÃO OU NO TELÃO ?




















Carnaval é festa do povo, certo? Sei não.. pelo andar da carruagem, aqui no Recife isso em breve será apenas uma frase no inconsciente coletivo dos recifenses.  Ser festa popular não basta?  Levar o povo às ruas da maneira mais pura e simples não basta ?  Deixar o povo se organizar livremente e organizar seus folguedos pobres, baratos, mas que atraem turistas do mundo todo (e sempre atraíram) não basta? Não.. não para os políticos que lidam com vultosas verbas, dizem que a deste ano beirou os 34 milhões de reais se não estou enganado.. Deve até ter passado disso, pois há caminhos e descaminhos nas estradas financeiras do dinheiro público do Brasil. No entanto, toda essa dinheirama na certa não foi destinada às pequenas ”troças”, aos “bois de carnaval”, às “la ursas”, aos blocos que se vestem, como no passado, com o esforço e o suor dos seus participantes..

Esses são esquecidos pelos subúrbios, não sobem o palco dos espetáculos para turista ver, como um bando de ovelhas, apertadas no curral do Marco Zero, em meio a toneladas de equipamentos de som, holofotes, telões monstruosos, todos empenhados em mostrar mais um capítulo da “novela do carnaval multicultural ”.. Já estou farto de gritar: perguntem ao povo do Recife se eles preferem botar o pé no chão e brincar atrás do seu grupo preferido, ou quedar-se hipnotizado no meio de milhares de “ovelhas” espremidas num grande curral, simplesmente olhando para o palco brilhante com colunas de som de milhares de watts a explodir pagodeiros, rockeiros, reggaeiros, baianos do axé, que quase já nos levam a alma, nos horrendos tempos do Recifolia..   Por que os baianos, cariocas, paulistas, gaúchos, catarinenses, paranaenses que eu conheço se encantam tanto com o nosso “carnaval participação” ?   É isso que eles vieram buscar.. é isso que eles não têm, nos seus Estados !  Nessa fonte popular vieram beber.. Não na sua própria cultura, nortista ou sulista, não importa..   Eles querem ver o povo na rua, brincando, correndo atrás de uma “la ursa” que eles não têm; vibrando com as bandinhas de pífano que nem sequer conhecem e estão morrendo à míngua; eles querem ter a liberdade de ir brincar atrás do Elefante, da Pitombeira, do Maracatu que nunca viram, do Bloco da Saudade e de tantos outros lindos Blocos que temos para lhes mostrar.  Já devem estar cansando dessa  "história de trancoso" de lhe venderem um pacote das nossas tradições mais puras, mas lhe entregarem um palco iluminado onde um telão ilumina com seus reflexos coloridos, uma multidão inerme, calada, passiva.. Como convém às multidões,  quando vistas pelos donos do Poder e da Cultura alheia !