terça-feira, 14 de junho de 2011

FESTA DO POÇO

O Poço da Panela já foi o subúrbio mais nobre do Recife; hoje é uma pálida sombra dos seus áureos tempos em que os Coronéis do açúcar ali mantinham suas residências de veraneio.


Nos idos dos séculos XVII e XVIII, dizem os historiadores, era por ali, no meio daqueles pomares fartos, com o Rio Capibaribe correndo manso e limpo, que as famílias abastadas passavam os dias de calor, na Capital da Província.

Ali também procuravam cura para as suas mazelas, nas propriedades terapêuticas dos banhos de rio, ao sol, numa vida saudável, que contrastava com o sombrio ambiente dos casarões do Recife de então.

Em louvor a Nossa Senhora da Saúde, construiu-se no Poço uma Igreja muito bela e bem adornada internamente em talhas de cedro, elaboradíssimas, conforme era o gosto do Barroco pernambucano.

E, diante da Igreja, passou-se a celebrar, desde então, uma festa religiosa-profana que já é tricentenária: a Festa do Poço.

Claro que, como tudo no Recife, a festa teve seus dias de glória sendo hoje, como o bairro, um fantasma do que foi.  No meu tempo de adolescente, aliás, já era assim.  A gente ia pra Festa do Poço somente por falta do que fazer, mesmo.  Depois da Novena, que eu nunca frequentava, começava a festa de rua.  A oportunidade pra gente conhecer meninas de outros Bairros, tomar uma caneca de chopp, comer um "churrasquinho de gato", um "pastel de vento", ou oferecer para as garotas uma "maçã do amor", vermelha e caramelada, coberta ainda por uma camada de bolinhas coloridas muito pequenas que as meninas, nem sei porque, adoravam...


Acho que, na verdade, elas aceitavam essas nefandas maçãs mais pelo galanteio e como uma espécie de troféu pensando, talvez, assim: ..."Oba, hoje eu estou irresistível.. ganhei uma maçã do amor!"...

Pra gente, oferecer uma maçã destas era uma maneira de dizer que estava a fim de um namoro.

Claro, havia também o serviço de alto-falantes pra ajudar a conquistar os corações femininos que deambulavam palpitantes por ali...

E haja música oferecida às garotas, muitas vezes até pelo velho espírito de molecagem.

O locutor da festa, invariavelmente empostava a voz e tascava: "Atenção Fulana... Assim como as rosas abrem suas pétalas para receber o orvalho da manhã, abra também o seu coração para receber esta melodia que Fulano lhe dedica...."

E vinha, pelo som rouco das "cornetas", um bolerão de Anísio Silva ou Orlando Dias, com suas juras de amor e lágrimas
de um coração despedaçado...

(Crônica extraída do meu livro "Caçador de Lagartixas", Ed.LivroRápido/Elógica, Recife, 2008)