quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

RENDEIRAS DE ALCAÇUZ


A riqueza cultural brasileira só pode ser melhor apreendida quando viajamos por esse país continental.  Foi o que fiz a vida toda. Já pisei o solo de praticamente todos os Estados brasileiros.  Estão faltando somente o Tocantins, Roraima, Rondônia, Acre e Amapá.. Pretendo ir ao Tocantins ainda este ano.  Mas hoje mostro para vocês uma atração inesquecível.  São as mulheres-rendeiras que ainda sobrevivem da sua arte lançando seus bilros e criando maravilhas em forma de rendas do mais alto valor artístico e cultural que se pode compreender.  Essa arte quase esquecida ainda pode ser vista em pequenas comunidades interioranas ou, como no caso, próximas ao litoral nordestino. Nesse vídeo, sem pretensões cinematográficas nem documentais no sentido estrito da palavra, deixo para vocês a pureza e a simplicidade dessas heroínas que se recusam a acabar com a sua tradição, passada de mãe para filha, há séculos, mundo afora.

UM DOBRADO PARA OS MONTEIRO DA CRUZ




Meu pai gostava muito de música. Era bom cantor, apesar de não tocar qualquer instrumento. Tinha uma voz muito parecida com a de Francisco Alves e cantava muito bem o repertório dele.  Lembro bem de uma de suas favoritas: Nancy.  Essa canção inspirou minha irmã a por esse nome em sua filha.  Ouvi muitas bandas de música na minha infância.  Naquele tempo eram comuns as retretas dos domingos à tarde, em Olinda, na Praça da Preguiça, num coreto muito bacana, ou no Derby, no coreto próximo ao tanque do peixe-boi.  Bons tempos aqueles.. Em homenagem ao meu velho e a todos os familiares, compus um dobrado que chamei de "Monteiro da Cruz".  O meu amigo Maestro Duda fez para ele um belo arranjo e eu convidei meus amigos da Banda Sinfônica da Cidade do Recife para interpretá-lo.  Graças a todo esse pessoal posso hoje orgulhar-me de ter dado ao meu pai e à minha família este presente que divido com vocês.  Esse post foi inspirado numa conversa que tive hoje com meu irmão mais velho, companheiro de toda essa jornada, Jaime e a ele o ofereço. 

CARNAVAL VEM AÍ..

RÓI-RÓIS & CASTANHOLAS
(crônica publicada no livro "Imperador, Imperatriz"), Recife, 2002, ed. do Autor)

Mais um Carnaval se foi, deixando no ar uma tristeza de pierrô traído, uma saudade das loucuras, uma ressaca dos excessos, um vazio dos desejos insatisfeitos, uma ânsia de esperar, de sempre esperar, pelo próximo Carnaval, pela próxima ilusão, enfim...

E chegou mais um Carnaval, alegre como todos sempre chegaram, na minha vidinha de menino do Recife.  Não trazia nada de especial, feito aquelas noites de Natal, cheias de brinquedos, surpresas e esperanças.  Mas trazia uma alegria diferente, plena de cores, cheiros e encantos. 
E vinha lento, dengoso,  preguiçoso, esparramando-se pelos bairros por uma ou duas semanas, até reinar absoluto nos seus três dias de glórias e exaurir-se bêbado e esgotado na quarta-feira de Cinzas, ingrata, chuvosa e chata.
Lembro-me dos preparativos para a semana do Corso: íamos, irmãos e irmãs, agarrados pelas mãos, tal qual uma cordinha de caranguejos, procurar os artigos da época, no bairro de São José.  Eram óculos de plástico colorido e transparente, amarrados por um elástico fininho, a melhor proteção contra os esguichos de lança-perfume, que também comprávamos...Rodouro e Colombina: a primeira em embalagem metálica pintada de dourado, a outra de vidro, com um rótulo bem colorido.  Ambas deixavam no ar um perfume inconfundível e na pele um friozinho inesquecível.  Nos olhos, quando neles batiam, um ardor dos infernos. Daí, os óculos.
E..que mais? Ah, sim! Havia os acessórios indispensáveis para as mais diversas idades.  Saquinhos de filó colorido, para os confetes; pacotes de rolos de serpentina de todas as cores; rói-róis..  Quem mais se lembra dos rói-róis?  Um brinquedinho bobo, mas barulhento e divertido, que consistia em um pequeno cilindro de papelão revestido com papel de seda colorido e franjado, amarrado num cordão, que se enlaçava a um pedaço de madeira untado de breu, na sua ponta.  O contato do cordão com o breu, ao se girar o rói-rói, produzia um som roufenho, amplificado pelo cilindro: daí seu nome.  Esse brinquedo é conhecido no sertão como "berra-boi".  Quem não "rodou" um bom rói-rói na infância, não pode se dizer um folião de verdade.
Apareceram, depois, uns reco-recos industrializados.  Os que conheci, na infância, ainda eram de madeira pintada.  Os de plástico tinham uma catraca e uma lingueta presa a uma haste.  Não tinham muita graça, não.. Creio que sumiram, esquecidos pelos carnavais afora.
Por falar em rói-róis, para onde foram os mascarados e suas inseparáveis castanholas?  Os poucos que hoje vemos, em Olinda, são uma raça em extinção.  Resistem como aratús nos mangues, numa franciscana pobreza.  Máscaras velhas, com a pintura descascada, roupas desbotadas, falta-lhes alegria e entusiasmo.  Rareiam...
Antigamente, andavam aos bandos, às dezenas, verdadeiros blocos multicoloridos, com grandes corações vermelhos, de cetim brilhante, costurados nos fundos dos macacões folgados.  Brincavam, pulavam e estalavam suas castanholas sem parar.  Quando, raramente, falavam com alguém, faziam voz de falsete, para não serem reconhecidos por ninguém da sua rua, do seu bairro.
Acusem-me, como já acusei a tantos, na minha juventude, de querer viver de recordações!  Acusem-me, repito...eu bem mereço.   É essa, a roda da vida, girando e nos apanhando a cada giro, no enlevo do relembrar, no destino inexorável de procurar alegrias no passado tentando, ao menos tentando, reter um pouco dos momentos felizes que vivemos.

Recife, fevereiro de 1999.