terça-feira, 17 de abril de 2012

A GUITARRA GIANINNI

Pesada demais... Toda em pau-ferro, devia ter uns 10 quilos ou mais, sei lá. Vermelha, meio para vinho, devido à pintura degradée, com a guarda frontal em fórmica branca, escala de mogno e dois captadores.
Foi um dos primeiros modelos da fábrica de violões Gianinni.  Só consegui comprá-la por obra e graça de um negócio que fiz com Paizinho: daqueles negócios de pai pra filho, mesmo.
Paizinho tinha me dado de presente a câmera Flex-a-Ret dele, fantástica.  Eu aproveitei bastante a câmera e durante mais de um ano fiz ótimas fotos com ela.
Flex-a-Ret, a câmera que virou guitarra
Mas acontece que eu queria uma guitarra e estava sem dinheiro. Então, como bom comerciante, propus a Paizinho uma pechincha: eu lhe dava a câmera de volta e ele comprava uma guitarra pra mim.
Dito e feito: Paizinho me arrumou o dinheiro e ainda fiquei com a câmera, na qualidade de fiel depositário.
Eu tinha visto a guitarra na vitrine da Casa Publicadora Batista, na Rua do Hospício, perto da firma da gente. Com o dinheiro na mão, corri até lá, como se não tivesse a certeza de que ia encontrá-la ainda à venda.
Voltei com aquele troféu para o escritório, mal acreditando que ela me pertencia, a partir daquele momento.
Essa guitarra foi minha companheira de música durante um bom tempo, até que um dia um médico observou um desvio na coluna e uma inclinação para baixo na clavícula esquerda.
Não deu outra: recomendou-me trocar a guitarra por outra mais leve.
Foi com a Gianinni que eu entrei para valer no mundo da música. Era o tempo dos conjuntos de ie-ie-ie e o pessoal começava a formar grupos para embalar festinhas caseiras, assustados, como se chamava, pelos bairros do Recife.
Enquanto não aparecia alguém procurando um guitarrista, recebi um convite pra tocar num grupo dos Jesuítas, do Colégio Nóbrega.
Aceitei de imediato.. o objetivo do Diretor do conjunto, o Padre Barbosa, era levar música e alegria para asilos e hospitais.
A apresentação que mais me marcou foi num hospital psiquiátrico em Monjope, município de Abreu e Lima.

A Gianinni com Otamar, eu com uma pá e a prima com meu violão
Foto: cortesia do Dr Otamar Carvalho
Chegando lá, liguei na tomada o meu amplificador, que nada mais era que um rádio antigo, de válvulas, que Paizinho me deu e o técnico em eletrônica da SORMA adaptou para servir de amplificador (nesse tempo a gente representava também uma fábrica de intercomunicadores, e tinha uma seção de manutenção desses aparelhos ("Telespeaker “ ).
Botei logo um apelido na minha "máquina": Bode Rouco. Por que ? Ora, vocês precisavam ouvir o som dos graves desse "possante"... não tinha que ver um bode velho gritando.
Mas bem que quebrou o galho; era só não abusar do volume, que o Bode Rouco ficava manso e afinado.
Pois bem... Conjunto pronto, atacamos o repertório, com muitos baiões e sambas e as "pacientes" dançaram pra valer. No término de cada música, aplaudiam bastante e gritavam pedindo mais.
Até que, no final da tarde, quando paramos a função, aproximou-se uma delas, morena, um pouco velha e desdentada, cabelos bem desalhinhados, com um bolo na mão, falando: - Fiz para vocês comerem ...
A gente agradeceu e fez que comia o tal bolo, com muito cuidado, para não provocar a ira da maluquinha. É que o bolo era de terra, e sua vela uma folha de mangueira.

(do livro de crônicas "Caçador de Lagartixas")