quarta-feira, 4 de abril de 2012

MEMÓRIAS DO F STUDIO 3 - HELENO RAMALHO

Conforme havia prometido aqui no blog, começo hoje um série de postagens sobre meus amigos músicos e compositores que gravaram comigo no F Studio.
E começo com uma pessoa especial, muito querida por todos os pernambucanos que gostam de boa música, em especial do frevo-de-bloco e do forró pé-de-serra.
Heleno Ramalho, poeta, jornalista e compositor, nasceu em Tabira e transferiu-se para o Recife há décadas, para realizar sua vida profissional e ao mesmo tempo dar maior amplitude aos seus horizontes artísticos.
Heleno, todo de branco e chapéu panamá,
com a nossa turma do Bloco Vitória-Régia
Poeta sensível, ligado às raízes, até hoje discorre saudoso sobre o Sítio em que nasceu, cresceu e viveu, na sua Tabira querida.  Cada conversa com Heleno, sustentada com muito humor e verve, é uma lição de amor à terra natal, que ele nos dá com seu sotaque pesado de sertanejo consciente dos seus valores mais puros.
A obra de Heleno Ramalho, hoje conhecida por todos os foliões, ultrapassa fronteiras e sua música “Flabelo de Ilusões” é cantada com fervor, como se fosse um dos hinos do carnaval lírico do nosso Estado.
É bonito ver a multidão de nativos e turistas, pelo Recife Antigo, a entoar quase religiosamente cada palavra da bela poesia de Heleno.
Para quem priva da sua amizade, ouvir os “causos” que Heleno conta com muito humor, com seu sotaque arrastado, é momento de raro prazer.  Mas hoje, eu conto um “causo” em que ele é personagem, sucedido num dos muitos dias de gravação do seu disco “Flabelo”.
Estávamos no Estúdio, assistidos atentamente por Heleno, gravando os vocais do frevo “Louvores”, uma pequena obra prima, que teve as bases executadas pela Orquestra Levino Ferreira, regida pelo Maestro Lúcio Sócrates, com o apoio de vários instrumentistas da Orquestra Sinfônica do Recife, com fagote, oboé, violinos, violoncello, numa mistura linda do clássico com o popular. 
Num dado momento, Heleno pede para parar a gravação e diz, de sopetão:  - Não estou gostando nada dessa frase.. Minha avó já morreu faz muito tempo.. E ela não vai se levantar de jeito nenhum !!
Todos estranhamos a interferência e perguntamos a Heleno o que estava havendo.  Ele explicou:  - As “meninas” (as vocalistas do Coral)  estão dizendo “.. e quando canta se levanta minha vó”.. Minha vó já morreu faz tempo ! Vamos gravar de novo !
E repetimos a frase muitas e muitas vezes mas Heleno não se conformava. Até mesmo Suely, sua esposa também presente, assegurava:  - Mas, Heleno.. eu estou ouvindo tudo certinho ! As meninas estão dizendo “E quando canta se levanta minha VOZ!”
No F Studio, Fred, Lúcio Sócrates e Heleno

Foi difícil convencer o Mestre, mas depois ouvir  algumas vezes mais o trecho ele finalmente se convenceu de que o ouvido o traía e sorriu em paz.
O trecho todo diz assim:  “Vem, Carnaval, abre tuas asas sobre nós.. Saudade canta, e quando canta se levanta a minha voz !”
Confiram a beleza dessa música e sua poesia, no player abaixo.  E a seguir, ouçam também uma comovente toada em que Heleno, acompanhado de Canhoto da Paraíba e pelo sanfoneiro Caxiado canta o seu amor por Tabira e pelo Sertão, numa magistral melodia que fotografa o momento marcante da volta do matuto ao seu sítio.  A música chama-se “Canção Rural” e faz parte de um LP do mesmo título.