segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MEMÓRIAS DO FSTUDIO - 12- FRADE E FRED


Ele era baixinho, careca e meio gordinho.  Idade, por volta dos 80 anos.
Estava parado num ponto de ônibus defronte à Praça de Casa Forte.
Eu tinha acabado de sair de casa e ia fazer uma caminhada até o centro da cidade, para o estúdio.
Começou a chover e fui me abrigar na marquise do ponto de ônibus.
O Frade, vim saber depois, era apelido. Seu nome era José. Um cara muito engraçado e de fala e sorriso fáceis.
Começou uma conversa.  Contou que estava meio perdido. Tinha ido a uma consulta num posto de saúde próximo,
teve vontade de andar e vinha meio sem saber onde estava, até começar a chuva. Aí, ficou naquela parada esperando
o primeiro ônibus que fosse para o centro da cidade.
- Eu vou pro centro e pego um ônibus para o bairro de San Martin.  Na hora que chegar chego bem, porque minha velha fica até feliz quando eu estou fora de casa. Ela diz que eu perturbo muito.
Eu já achei o velhinho simpático e sorri do seu bom humor.  Era cego de um olho (hoje a gente tem que chamar deficiente visual, que saco!)
Mas estava feliz como um menino levado e começou a cantar baixinho uma marchinha.  Em certo ponto, parou.  Aí voltou com a carga toda:
- Tá ouvindo essa música?  Eu comecei a fazer.  A letra eu sei todinha, mas a música mesmo eu não sei como termino. Só tem esse pedaço.
Interessei-me na conversa.
- E o senhor é compositor?
- Nada.  E eu sei lá o que é isso ? Eu faço umas coisas e invento umas poesias. às vezes eu termino, às vezes não.
E eu:  - E por que o senhor não grava, pra não esquecer ?
- Ah, meu filho, e eu lá tenho dinheiro pra isso?
- Mas eu tenho um estúdio de gravação.  Se quiser gravar, terei o maior prazer. Gostei muito da sua marchinha.
O velhinho acendeu o olhar.
- Tá brincando comigo ? 
- Nada.. e eu sou de brincadeira.  Se quiser gravar, vamos lá no Estúdio e gravamos. Depois eu dou um acabamento e o senhor não esquece mais sua música.
- De graça?
- De graça, claro. Não sou eu que estou oferecendo o estúdio?
- Ave Maria, meu fio ! De graça até injeção na testa. Agora é que eu vou virar artista mesmo.
Chega o ônibus.  Entramos. Eu pela porte de trás, porque naquele tempo ainda não era idoso (tinha 55 anos), ele pela porta da frente, com a carteira de identidade na mão, feliz da vida.
Nos encontramos novamente no corredor.
Traçamos os planos.  Ele cantaria a parte que sabia da sua música, eu completaria o que faltava de melodia para o restante da letra e faria os arranjos.
Já no Estúdio, Frade soltou a voz e cantou.  Eu peguei o violão, compus na hora o restante da melodia, na intuição mesmo, em cima do que ele já tinha feito.  Passamos o resto da manhã fazendo as bases com a sanfona (teclado) e o ritmo (zabumba, triangulo, reco-reco e agogô).  Na hora  de cantar o Frade rejeitou a parada.  Não tinha jeito de afinar. Tentamos muitas vezes, mas cadê ritmo e afinação ?  Não deu...
- Deixa comigo, Frade, eu canto.
De tanto repetir, eu já tinha decorado melodia e letra e mandei ver.
Mas eu queria gravar a voz do novo amigo.  Afinal, o tempo todo ele falava:
- Minha velha não vai acreditar que eu agora sou artista e gravei minha música !  Eu quero ver a cara do pessoal lá da rua, quando ouvir essa música no Rádio.  O senhor conhece alguém de Rádio pra tocar minha música ?
- Conheço, Frade... Fique tranquilo. Vou levar seu disco para a Jovem Cap e para a Rádio Universitária, no programa de Ivan Ferraz. Agora você é um artista de verdade !
E inventei um diálogo que gravamos e depois mixamos, com os solos no meio e no final da faixa.  Tudo improvisado também.  Afinal, o que eu queria era ver o velhinho feliz.
E está aí o nosso trabalho. A voz dele fica meio ininteligível, no diálogo, mas parece muito com a do personagem "Coronel Ludugero" de saudosa memória.  Matutão desenrolado, o Frade ainda passou várias vezes lá pelo Estúdio.  Conversamos e rimos muito da sua aventura musical.  Levei, efetivamente, o Frade e seu disco para a Jovem Cap e o apresentei a Carminha Pereira, proprietária da emissora e animadora de diversos programas.  Ela adorou a figura.  Ivan Ferraz também.  Enfim, o Frade tocou bastante naquele São João e nos que se seguiram.  Faz tempo que não o vejo, e espero que ele esteja bem.
Como ele próprio diz, no final da música, com toda a alegria de quem está de bem com a vida, apesar de tudo :
- É, Compadre Fred. Agora vai... vai e vai bonitinho !!!






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