quarta-feira, 14 de setembro de 2011

OS NAZARENOS E UMA QUEDA


Da esquerda para a direita: Jaime, eu, Zélia e Maria-Foto de Alexander Berzin
1947 - Foto AB - A única foto que ficou da minha infância.. As enchentes do
Recife, entre os anos de 1965 e 1975 carregaram todas as outras
A nossa casa no bairro do Hipódromo tinha uma varandinha simpática arrematada por uma mureta e uma arcada, que estavam muito em voga nas construções da época.
Eu gostava de ficar em pé nesse murinho, que devia ter uns 50 ou 60 cm de altura e dali observar o movimento da rua, pois o muro do jardim era baixo e permitia uma visão total da mesma.

Adorava ouvir os mascates, vendedores de frutas e verduras, balaieiros que vinham da feira da Encruzilhada, vendedores de "doce japonês", sorveteiros, o homem com um cilindro de lata às costas vendendo "cavaco chinês" e tocando triângulo, enfim, todos aqueles tipos populares que faziam os sons de um Recife "já tão distante do que havia sido o da sua infância", como diria o saudoso Mestre Mário Sette.

E nesse observar gostoso, passava o tempo, me encantava e aprendia a amar o meu lugar.

Mas não somente esses tipos cruzavam minha rua.. Havia, naqueles idos de 1949, uma espécie de seita cujos adeptos se intitulavam "nazarenos", que jamais cortavam a barba e os cabelos e andavam com camisolões à guisa de hábito religioso, talvez inspirados nas imagens de Jesus.

Eu tinha um certo temor desses nazarenos que, esporadicamente, passavam pela minha particular "Ponte da Aliança"...

Mas, talvez para superar esse medo, achei por bem desafiar um deles que certo dia cruzou a rua em direção à Estrada de Belém.

Tão logo o beato passou em frente ao nosso muro, entoei meu grito de guerra aos nazarenos e na minha voz de criança repetia: -Cabelo de mulher, cabelo de mulher, cabelo de mulher....

O beato, certamente só pra me assustar, parou e fez menção de entrar pelo portão do jardim... foi a conta para que eu emudecesse e cuidasse de pular da mureta pra desabalar na carreira, atrás do socorro materno.

Mas, qual... na ânsia de fugir, embaracei-me nos meus próprios pés e caí feito uma jaca madura no piso de ladrilhos vermelhos e brancos do terraço.. logo, os brancos do ladrilho também ficaram vermelhos com o sangue que saiu do profundo corte na nuca, em decorrência da queda.

Soube depois, pois perdi os sentidos na hora do acidente, que causei um tremendo susto e muita confusão para me prestar socorro e costurar no Hospital próximo aquele ferimento de uma batalha inglória contra as madeixas de um "nazareno"...

Do livro de crônicas "Caçador de Lagartixas"

3 comentários:

  1. Mesmo com medo, a criança sempre descobre um jeito de se livrar do bichinho que fica mandando fazer um arte! Bela lembrança.

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  2. Não sei não... mas vc ainda vai nos presentear c/belos livros contando historias verdadeiras. Um abrço Raquel do cordas

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  3. certo!, mas essas histórias são verdadeiras m,esmo raquel.. claro, o que veio depois da queda me foi contado depois por minha mãe.. ainda lembro o nome do médico que me tratou durante uns meses, das consequencias dessa "trela".. dr. pandolfi, um cirurgião muito amigo do meu avô médico pedro augusto..

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