sábado, 22 de setembro de 2012

A SOPA DE RIO DOCE (REPOST)


Não era uma sopa qualquer, de legumes ou canja de galinha. Nada disso. Falo de outra "sopa".. um ônibus antigo que fazia a linha Recife - Rio Doce e cuja última viagem, no finalzinho da tarde, por volta das cinco horas, deu margem a esse apelido original.
Chegando no destino ao escurecer, na hora da ceia noturna, isto é, da sopa, era natural que o povo, na sua criatividade, assim a nomeasse.
Nesse pequeno ônibus a gente ia para a praia, nas férias de verão.
Sempre tinha algum tio que alugava casa para a temporada, ou mesmo para um mês (janeiro ou fevereiro) e a gente era convidado pra passar uma ou duas semanas por lá.
As casas de veraneio naquele tempo eram pouco mais do que cabanas de pescador e nisso estava a beleza delas: na sua simplicidade.
De madeira ou de taipa, com cobertura quase sempre de palha de coqueiro, às vezes de telhas sem forro, não tinham água encanada e a gente tinha que bombear água de poço, que ficava invariavelmente nos fundos ou no oitão da casa.

O quintal e a varanda?.. de areia da praia mesmo. Era muito gostoso botar, à noitinha, uma cadeira na frente da casa e ficar com os pés enterrados na areia olhando a lua nascer e ouvindo o marulho das pequenas ondas de uma maré baixa nos acalentando para mais uma noite de sono reparador.
De manhã, a gente ganhava o mundo e passava boa parte do dia dentro d'água, ora pescando, ora mergulhando nas piscinas formadas nos arrecifes para olhar os peixes coloridos e ariscos, como saberés, mariquitas e budiões, cuidando sempre de não pisar nos ouriços que enchiam trechos das "pedras", junto aos escorregadios "beiços de boi", corais lisos e traiçoeiros.
As "pedras", como chamávamos os arrecifes de coral, eram o nosso mundo e de tanto andar sobre elas, quase nunca nos acidentávamos.
Saíamos procurando um bom pesqueiro, ora num pequeno poço, ora numa piscina maior e quase nunca voltávamos pra casa de mãos vazias.. ao menos uns siris e mariscos carregávamos de volta nessas pescarias infantis.

De tarde a ocupação era outra: “pelada”, voleibol ou "pega". Perto das seis da tarde, ainda arranjávamos tempo pra ir comprar o pão do jantar e algum outro complemento, como uma bolacha d'água redonda chamada "bolacha praieira". A da Padaria de Rio Doce era excepcionalmente gostosa.
Depois de uma canja ou um peixe frito, um "bate-papo" na frente de casa onde muitas histórias de assombração faziam tremer os menores, até que o sono chegava e todo mundo se recolhia.

E assim se passavam nossas férias de verão, naquele tempo em que o relógio era mais preguiçoso, os dias eram mais claros, a lua mais prateada e a areia da praia mais fina e branca.

Deixo, ainda, para vocês essas estrofes inspiradas nas paisagens de Rio Doce e Olinda da minha infância.

PEIXE NA PRAIA


Eu que sempre morei no litoral
e conheço o sertão só de passagem
não queria dizer muita bobagem
pois então vou louvar a capital
que tem praia bonita e original
e um mar que é cheio de magia
águas verdes e claras como o dia
onde nadam peixinhos tropicais
que na graça e na cor são maiorais
representam da vida a harmonia

***********
mariquita, olhão, tem mais arraia
budião, xira, gato e agulhinha
tem o galo, também tem a tainha
tem cioba e sargento lá na praia
quando a noite já vem e o sol desmaia
pescador pega logo o seu puçá
e na beira do mar vai fachear
pra pegar a saúna e o camarão
samburá fica cheio de montão
ele vai pra pescar o seu jantar

*************

de manhã bem cedinho sai de novo
a maré já baixou e ele insiste
na jangada com sua vela em riste
pra pescar a lagosta usa seu côvo
pois além do guajá, cutuca o polvo
que se esconde na loca do arenito
no ganchinho de ferro é expedito
e com sorte inda fisga uma moréia
vai feliz prosseguir nesta odisséia
e assim garantir seu peixe frito

8 comentários:

  1. FRED, EU LEMBRO DESSA OUTRA "SOPA", CHEGUEI A "TOMÁ-LA"... NOSSA! O TEMPO NÃO TEM TEMPO DE TER TEMPO, SEMPRE DIGO ASSIM, PORTANTO, DE REPENTE, O TEMPO "FOI-SE", NÃO CONFUNDA COM "FOICE" rsrsrsrs TUDO MUDADO! E JÁ QUE ESTAMOS EM TEMPO DE ELEIÇÕES, VEJA COMO ESTÃO DIFERENTES AS "PROPAGANDAS", ALÉM DA FALTA DE CRIATIVIDADE, SÓ SE VÊ SUJEIRAS EM LETRAS E EM MUSICAS... APENAS COMPARANDO COM UMA FEITA POR GRANDE NELSON FERREIRA, EM 1962, PARA O SENADOR PESSOA DE QUEIROZ, VEJA A INCRÍVEL IMAGINAL DO NOSSO MAIOR CRIADOR MUSICAL, APROVEITANDO AS PRIMEIRAS LETRAS DO ALFABETO, SEM QUE SE ESQUEÇA, ARRANJO E ORQUESTRA DELE, INTERPRETAÇÃO DE CLAUDIONOR GERMANO, CORAL: "A, B, C, D, E, F. PESSOA DE QUEIROZ, CANDIDATO QUE ESTÁ PRA NÓS..." E SEGUE A SUA GENIALIDADE. ISTO, ENTRE DEZENAS DE "JINGLES" (PREFIRO CHAMÁ-LOS MÚSICAS", TODOS MARAVILHOSOS! MUITO DIFERENTE DOS "TCHA" E "TCHUS" E SUAS EMPORCALHADAS LETRAS, QUE SE OUVE AGORA. MAS, ESPERA, TÁ NA HORA DE TOMAR A "SOPA"...

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  2. Seu Fred,há quanto tempo?...já pescamos juntos: agulhas e outros na ponte do Janga.Vale salientar que nessa época, as águas eram quase cristalina.Abraço, véio Zuza(Maceió).

    PS-Pseudônimo.

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  3. Anônimo das 10:48.. vc não assinou mas só pode ser o Mestre Samuel Valente ! Tanto pelas letras maiúsculas de sempre, como pelo humor e pela referência aos frevos do Nelson Ferreira.. Acertei?
    Realmente, aquela "sopa" correndo no meio do coqueiral era uma "delícia".. E a gente sempre descia onde tinha uma padaria e mercearia, pra comprar o pão quentinho e a bolacha praieira. ô tempo bom danado!

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  4. Meu caro Véio Zuza..(só não estou localizando quem é. mas não tem problema): Home seu minino, as pescarias na ponte do Janga, em cima do Rio Doce mesmo eram arretadas.. E ainda tinha a pegada de guaiamum e aratu no manguezal da foz do rio, nas "andadas de caranguejo" de janeiro, depois das trovoadas. Maravilha de lembrança!

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  5. Macanudo amigo:de vereda, monto no pingo e saio de minha querência despacito para trazer-te este chasque.Quando, neste período eleitoral, caborteiros e gaudérios forram o poncho num carcheio descarado, fazendo-se de chancho rengo, chegar a teu blog e deliciar-me com a sensibilidade de teus textos vale como a barra-do-dia. abraço
    maria-maria

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  6. Maria-Maria, cara amiga :

    Embora eu tenha "viajado" em algumas palavras desse peculiar linguajar gaúcho, de tanta força e tradição, sinto-me lisonjeado com sua presença alegre e inteligente no meu modesto Blog. Se tem uma coisa que eu admiro na Nação Gaúcha é a semelhança de propósitos com a nossa Nação Sertaneja, aqui de riba. Manter a tradição, acima de tudo, nos faz brasileiros diferentes com um ponto comum: o amor pela nossa terra brasileira de tantos contrastes e de tanta beleza !
    PS- Estou precisando urgentemente voltar ao Rio Grande do Sul para tomar mais um banho de brasilidade gaúcha, na alegria e no ambiente único de um CTG ! Abraço forte !

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    1. Pois le digo, amigo, que venha e se arranche; que ninguém diga que um "oh, de casa!" ficou sem convite para um mate ao pé do fogão e uma charla gostosa. Nosso estado tem o feitio de coração e receber o forasteiro nos deixa mais faceiros que ganso novo em taipa de açude.
      Recém passamos pelos festejos da Semana Farroupilha, que rememora os feitos gloriosos da Revolução (a mais duradoura)de nossa História. Os CTGs são o museu vivo de nossas tradições e grupos folclóricos se multiplicam pelas escolas.
      Observar que, no outro extremo do país, grupos mantêm a mesma postura com relação aos costumes perenes, estimula-me a frequentar teu blog
      abraço
      maria-maria

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  7. Querido amigo,
    É sempre muito bom passar por aqui e viajar em suas lembranças.
    Um abraço,
    Dalinha

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